As casas lotéricas viraram miniagências bancárias. Mas o caso do bilhete premiado – e não registrado – revela as falhas de segurança numa indústria bilionária.
Por algumas horas, um grupo de apostadores de Novo Hamburgo (RS) fez cálculos para decidir a melhor forma de aproveitar os R$ 53,3 milhões do concurso 1.155 da Mega-Sena. Foi só quando tentaram resgatar o prêmio na agência da Caixa Econômica Federal que os 36 participantes de um bolão comprado na lotérica Esquina da Sorte perceberam que, em vez de sorte, poderiam ter sido vítimas de fraude – ou, na versão do dono da lotérica, do erro de uma funcionária, que se esqueceu de registrar o cartão no sistema da Caixa. A confusão traz à tona a discussão sobre a segurança no processo que transformou as agências lotéricas em miniagências bancárias. Segurança tanto para funcionários, que manipulam grandes volumes de dinheiro e documentos importantes, quanto para os usuários sobre o repasse correto ao banco de suas contas e apostas.
Desde 1992, quando foram transformadas em correspondentes bancários, além das apostas, as lotéricas podem receber pagamentos de contas de água, luz e telefone e outros boletos bancários. Ou seja, fazem serviço de banco, mas ganham muito menos do que uma agência bancária por isso. O contrato de concessão da CEF obriga a lotérica a oferecer condições mínimas de segurança e a arcar com esses custos. A Caixa bancou o transporte por carro forte de dinheiro e documentos das lotéricas a suas agências até 2006. Desde então, ajuda os empresários do setor com apenas R$ 850, metade do valor necessário. "Considerando que há dois anos uma pesquisa indicou a morte de uma pessoa por mês dentro de uma agência bancária, que é cercada de segurança, imagine o que acontece dentro de uma lotérica", questiona Carlos Cordeiro, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Em sua defesa, a Caixa alega que destinou R$ 380 milhões para ações de segurança às lotéricas nos últimos sete anos, o que contribui para reduzir pela metade o número de assaltos a casas lotéricas, além de praticamente eliminar os assaltos no trânsito das lotéricas até as agências da Caixa. Mas a Contraf acha pouco e quer que esses estabelecimentos passem a ser encaradas como instituições financeiras, o que obrigaria a Caixa a aparelhar as concessionárias com a segurança digna de um banco. Segundo Cordeiro, o assunto é discutido há anos na Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada da Polícia Federal e deve voltar à pauta depois da suspeita de fraude em Novo Hamburgo. Na avaliação dele, a CEF não demonstra capacidade para fiscalizar as lotéricas. "O serviço das lotéricas é prestado sem fiscalização ou responsabilidade. Não sou contra o jogo e a aposta, mas isso tem que ser feito em cima de uma relação de consumo. Tem que ter segurança, e esse caso demonstra que não tem segurança nenhuma. Nem na confirmação do bilhete", diz Cordeiro.
Para reduzir os riscos de fraudes, a Caixa faz fiscalizações periódicas, mas conta com apenas 242 consultores para acompanhar as 10.272 agências espalhadas pelo País. "Estamos estudando a ampliação da quantidade de fiscais", diz Antonio Carlos Barasuol, gerente nacional de canais físicos parceiros da Caixa. Para mostrar que a fiscalização existe, ele lembra que cerca de mil estabelecimentos foram autuados no ano passado. Desses, 500 receberam advertência e sete chegaram a ser descredenciados. A lotérica de Nova Hamburgo teve a licença suspensa. Para os quase milionários que acertaram o bolão – modalidade de aposta que já era proibida pela Caixa – a medida veio tarde demais.